Casa desdobramento (2012)

QUINTA COM DANÇA (CE)

Foto Tiago Fontoura                                                                             foto tiago fontoura

O espetáculo Casa é resultado de uma pesquisa artística que tem o mesmo nome e foi iniciada com o apoio do Programa Rumos Dança Itaú Cultural edição 2009/2010. A continuidade se deu por meio do Edital das Artes/Dança da Secultfor, na categoria de Manutenção de Artista Independente. Estreou em novembro de 2011, nos estados do Acre e Tocantins, a convite do Itaú Cultural. Em Fortaleza, realiza primeira temporada da obra, neste mês de fevereiro, nos dias 02, 09, 16 e 23, pela programação do Projeto Quinta com Dança, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Casa parte de um lugar-sensação-estado, da posição de cócoras e da investigação de suas potências e estados corporais, se transcriando a cada segundo num corpo que busca, que suspenso num tempo propõe mobilizar sensações, engendrando uma ambiência de sutilezas. Constrói um corpo além do habitual, com suas características únicas, se desdobrando no espaço e tornando-se reconhecível com suas fragilidades e potência.

CASA: https://vimeo.com/586448786

FICHA TÉCNICA:

Concepção, direção e interpretação: Andréa Sales; Colaboração: Angela Souza e Eduardo Fukushima; Música: Marcos Kuzka, Sigur R’os; Pesquisa Musical e Mixagem: Angela Souza; Realização do Figurino: Andréa Soares; Fotografia: Tiago Fontoura; Imagens: Daniel Pizamiglio.

Agradecimentos: Sonia Sobral, Itaú Cultural, Isabel Botelho, Secultfor, Izabel Gurgel, Theatro José de Alencar, Ana Marlene Ferreira, Tito Souza (In memoriam), David da Paz e Juliana Muniz.

Serviço: Casa – Espetáculo de dança nas quintas-feiras do mês de fevereiro – Dias 02, 09,16 e 23, às 20h no Teatro Dragão do Mar. 

Um dia depois do outro (2011)

28/05/2011

Tenho percebido que, agora, a figura de meu pai tem menos importância para a continuidade do processo criativo. É um elemento, dentre alguns, que antes, com peso, fizeram parte do primeiro momento da pesquisa e que hoje já não são vistos como essenciais na construção da obra. Acredito que eles cumpriram sua função, em primeira, instância para que eu chegasse até aqui. Não apenas a imagem do meu pai, como também a da senhora que encontrei pelas minhas andanças. Ambos fazem parte de um passado que não me apetece relembrar como foco de investigação. Sinto que no decorrer do processo o tempo foi primordial para que eu pudesse entender o que estava acontecendo.

É como se o processo revelasse uma tendência da obra que só se percebe com a maturação do caminho. Como Cecília Salles cita Bioy Casares em seu livro Gesto Inacabado que o processo de criação é o lento clarear da tendência que, por sua vagueza, está aberta a alterações. O final pode ser que nada tenha a ver com a “maquete inicial”, pois o plano não tem nada da experiência que se adquire na medida em que vai se escrevendo a história.

Vejo, então, que as coisas estão mudadas, em meio às escolhas que estou fazendo. As intenções que eu tinha quando estava a investigar e as que tenho agora, são um pouco diferentes. Há uma intensidade corporal maior no que me proponho a fazer, as sensações que me atravessam são meus indicadores.  Cada vez mais o viver o aqui e agora ganha mais força e fica claro para mim que é este o caminho que devo seguir.

 

De cócoras com Andréa Sales- uma vivência colaborativa (2010)

Joubert Arrais

dança: artista/ crítico/ pesquisador

Durante os seis meses da pesquisa Casa, de Andréa Sales, exercitei o que venho esboçando como “acompanhamentos” no sentido de um colaborar como perceber a singularidade do encontro – o estar-com. No caso dela, definimos como “colaboração artística”.

Tais acompanhamentos são hipóteses que ganharam força durante o mestrado em dança, que finalizei em junho de 2008, e que tem gerado bons desdobramentos colaborativos: uma critica de dança preocupada com os processos – e não somente com as configurações – e com o investigar no corpo – e não somente na ponta do lápis (ou apenas dedo no teclado).

Assim, de outubro de 2009 até março de 2010, eu e Andréa construímos à distância (pois eu estava morando em Lisboa) uma ambiência investigativa muito rica no que se refere ao mapeamento dos estados corporais na posição de cócoras. O que evidenciou a maturidade de Andréa sobre a fisicalidade do corpo e minha disposição em acompanhar processos.

Percebi também aspectos potentes relacionados ao comportamento humano nos deslocamentos culturais. Isso porque o cotidiano mostrou-se como sintomático no estar de cócoras, foco da pesquisa. Os afazeres domésticos do pai, a casa onde mora com ele, a Praça Jose de Alencar, a comunidade indígena nas proximidades de Fortaleza, um documentário sobre mulheres indígenas e o hábito de ficar de cócoras etc.

Eu mesmo me transformei nesse processo, nessa atenção ao estar acocorado. É uma posição forte, desestabiliza o corpo e, ao mesmo tempo, nos conecta à ancestralidade do ser humano. As fotos aqui publicadas são frames de uns vídeos que enviei para Andréa como experimento do que discutíamos (via e-mail e telefone) no meu próprio corpo na forma de movimento e de dança.

A cada conversa, a cada discussão, eu testei e experenciei no meu corpo, dando uma espécie de feedback para ela. Às vezes, na forma de texto mesmo ou algum artigo que considero interessante. Outras vezes, foi um vídeo demonstração ou fotos interessantes. Construímos certa cumplicidade no questionar-se sobre as leituras, que vai desde termos novos até experiências anteriores que se transformam com novas informações e conceitos.

Logo, a participação como colaborador artístico vem transformando o modo de me relacionar com a dança que é feita no Ceará. Os espetáculos ainda me interessam, não tanto como produtos finais, mas como momentos importantes onde é possível perceber as estabilidades de um processo de pesquisa e criação em dança.

Tanto que constatei no fazer dança de Andréa as similaridades e distinções entre pesquisa artística e pesquisa acadêmica. Alguns e muitos dos procedimentos são parecidos, mas o ponto que diferencia é a forma como se desdobram as questões. Ou indo mais fundo, a sutileza da criação que, muitas vezes, passa despercebida.

Assim, cada texto publicado no blog da pesquisa Casa é um indício de como se configura tanto a investigação artística como essa minha hipótese de acompanhamento como colaboração artística.

Partiram de constatações da própria Andréa. Ganharam potência nas conversas, nos vídeos trocados, nos emails enviados e respondidos. E, nesta fase pós demonstração de processo, são valiosos materiais que já tem certa estabilidade rumo à uma dramaturgia corporal e ao fortalecimento das escolhas futuras.

“Fonte: Texto publicado originalmente no blog enquantodancas no linkhttp://enquantodancas.blogspot.com/.”

 

Mostra de processos – Rumos Itaú Cultural Dança (2010)

Foto: Paulo Mapurunga
Foto: Paulo Mapurunga

 

 PESQUISA CASA

Concepção, direção e interpretação Andréa Sales

Blog Casa ( orientação textual) Joubert Arrais

Acompanhamento da visita (comunidade indígena) Juliana Muniz

Captação de imagens externas David da Paz

Agradecimentos Manoel Alves (Pai), Angela Souza, Ernesto Gadelha, Raimundo Lima e Raimundo Severo

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO – SALA ADONIRAN BARBOSA 11/03/2010  

Essa pesquisa coreográfica foi subsidiada pelo Programa Rumos Itaú Cultural Dança 2009/10.

Praça José de Alencar- outro ambiente (2010)

 

No mês de janeiro último, fui para o centro da cidade, aqui em Fortaleza. O local escolhido foi na Praça José de Alencar. Já há algum tempo, eu tinha o desejo de experimentar algo fora de casa, até então, o lugar habitual das minhas investigações.

No começo, eu fiquei um pouco nervosa. Já sentia, de algum modo, que as pessoas iriam estranhar minha presença lá de cócoras.

Primeiro, porque esta posição, como já escrevi aqui, é considerada por muitos como um comportamento pouco civilizado. Segundo, porque as pessoas, em geral, não reconhecem esse tipo de intervenção na cidade (e o que estou pesquisando) como dança.

Não é uma leitura fácil para elas, penso eu. Estão mais acostumadas com uma dança que faz movimentos mais amplos, como se vê em muitos espetáculos de palco. Esperam ver uma dança cheia de ritmo, tal como é bastante reproduzida nos programas de televisão. Talvez uma dança que aproxima as pessoas e não que as assuste como a minha nessa circunstância.

Para me ambientar, comecei sentada no banco e, depois, fui me acocorando bem devagar. Veio-me também certo receio de ser agredida de alguma maneira. Não estava tão habituada a colocar meu corpo nessa situação, estava muito exposta.

Logo no inicio, ouvi dois senhores comentando algo relacionado ao diabo, compadecidos por eu estar “daquele jeito”. Confesso que tive muita vontade de rir e quase levantei para finalizar tudo por ali mesmo. Mas pensei: devo insistir! E insisti.

Em seguida, uma criança aproximou-se e, logo depois, saiu. Lembro também que uma mulher perguntou para outra que estava próxima sobre o que estava acontecendo. Ela respondeu que era uma mulher que estava se entortando.

David da Paz, videomaker responsável pelo registro, estava um pouco afastado e isso fazia com que eu me sentisse ainda mais desprotegida. Às vezes, ele se aproximava, o que fazia com que eu me sentisse mais segura.

De qualquer forma, era algo bom, uma forma de sinalizar para quem por ali passava que aquilo que estava fazendo é arte, é dança! Não se tratava de uma possessão. Na verdade, meu corpo estava se “ambientando”.

O Sol tocava o meu corpo e provocava as sombras no chão. Sombras estas que surgiram também quando trabalhei com o refletor em casa.

Durante a realização, foi difícil rememorar, com exatidão, o que havia acontecido lá em casa, quando observava meu pai e quando eu investigava sozinha. Tanto que ao trabalhar o foco, demorei mais que o habitual, mas finalmente consegui “chorar”. O tremor das mãos também funcionou. Sentia apenas que tudo que venho experimentando no meu corpo estava lá, reorganizando-se e se atualizando, circunstancialmente.

Tudo isso numa intervenção que durou quase meia hora ininterrupta.

Aguçando os sentidos ( 2010)

Na ação rotineira de banhar-me, estou descobrindo um caminho para estimular e exteriorizar a emoção.

Outro dia, realizei o banho-ritual novamente, com os mesmos procedimentos. Tive a sensação de que esperava  alguma coisa. No banho anterior, isso não aconteceu. Senti uma diferença especial de um para o outro.  Foi como se eu tivesse adiantado o modo de fazer as coisas ou violentado a justeza do acontecimento ou do movimento. Não gostei. O choro demorou a vir, pensei até que não fosse acontecer. Mas veio e, quando veio, foi menos intenso, talvez.

De repente, ainda durante o banho, fui interrompida pelo meu filho, Gautier, de 17 anos. Sempre percebo quando ele chega em casa pela forma inconfundível de tocar a campainha. Ele entra de maneira desesperada, urgente, como se não pudesse perder tempo. Então, quando sinto sua presença, já fico na expectativa por um grito à minha procura. Quando ouvi seu chamado, logo pensei que tinha que finalizar o banho-ritual. Não conseguiria mais me concentrar. Foi decepcionante.

Nesse “novo” momento, algo que me chamou a atenção ao reavaliar o banho-ritual. Percebi a importância da presença do meu filho em casa. Tem a ver com minha capacidade / habilidade de reconhecer os sons. Consigo saber quem são as pessoas da minha família em ações do cotidiano sem estar olhando diretamente para eles.

Cada um tem uma maneira peculiar de se deslocar no espaço e, ao se colocar em movimento nesta ação, cada um provoca sons que lhes são próprios, bem pessoais. Quando estão subindo a escada de casa, por exemplo, ouço os sons dos passos e já sinto que são eles, sem precisar vê-los. Pensei, então, nos sons que atravessam o cotidiano das pessoas.

Por conta disso, o ouvir tem sido uma ação pertinente. Quando estou investigando, escuto o som de um sino de vento, um tipo de objeto sonoro que fica suspenso no  ar. Ao balançar, faz um som suave que, certamente, influencia minha movimentação. É uma sensação agradável aos ouvidos.

O contraponto vem quando escuto o ônibus que passa na rua onde moro. É um barulho irritante que me desagrada muito. Às vezes, os dois – sino e ônibus – surgem, simultaneamente, quando estou investigando no quarto ou na área livre de casa. Eles passam despercebidos, conscientemente, por eu estar bastante concentrada. Só depois, ao assistir as imagens filmadas, é que sei que  acompanharam minha dança.

Logo, audição e visão estão ficando aguçados. Tudo isso tem vindo à tona, especificamente, no ritual de banhar-me. No olhar, trabalho no que se refere à qualidade das imagens que estou a ver. Na audição, os sons que me atravessam quando inicio a movimentação e o paladar quando provo o sal grosso que utilizo no banho, adoro fazer isso. Como aguçá-los ainda mais para mapear outros estados corporais?

Por isso, decidi que era importante mudar de ambiente físico. Até agora, tenho trabalhado somente dentro da minha casa. O local escolhido foi a Praça José de Alencar, em frente ao conhecido teatro que tem o mesmo nome. Está localizada no centro de Fortaleza. Pretendo ficar acocorada por lá em meio aos transeuntes.

Provocações do olhar (2010)

                                                                                                               

Na ação psicomotora do olhar, a observação ocupa um lugar importante no mapeamento dos ditos estados corporais na posição de cócoras que venho realizando.  

No último dia 23 de dezembro, fiz uma gravação na área da minha casa à noite e fiquei pensando sobre as imagens captadas. Nesse experimento, trabalhei o olhar fixo na posição acocorada.

Depois que vi minha própria imagem, lembrei-me das esculturas de Ron Mueck, em especial, a imagem gigante do menino na posição agachada. Parecem estar vivas. São hiper-realistas. Têm uma expressividade que nos chama a atenção, confundem-nos e questiona se aquilo é real ou não.

Mueck esforça-se bastante nos detalhes.  A escultura da mulher que acaba de dar à luz, por exemplo, parece traduzir a perfeição do corpo físico, este tão complexo, com tamanha veracidade e delicadeza. Já “The Big Man” é uma das mais famosas esculturas e nos proporciona um encontro com a solidão.

Pensando nessas obras, poderia eu também confundir o espectador? Se eu trabalhar o olhar e ficar imóvel por alguns minutos, será que as pessoas perguntariam se eu sou real?  Seria eu capaz de distorcer minha própria imagem a ponto de parecer um corpo inerte, sem vida?  

A vinda do “choro” é um percurso que tem se mostrado interessante na pesquisa.  Não é uma situação de sofrimento. O que acontece é que sou estimulada por um movimento corporal que faz com que eu tenha uma imagem e, assim, acontece a mudança do estado corporal.

É como se eu abrisse um canal no corpo que faz alterar o comportamento naquele momento.  Sou tomada por ele e fico assim por um bom tempo.

Sinto que ao fixar o olhar e permanecer sem piscar as pálpebras, os olhos começam a arder e as lágrimas surgem, embaraçando a imagem que estou vendo, que é o objeto para o qual estou mirando. Dá, então, uma “fraqueza” na região ocular.                                                                

Penso que é um outro estado corporal que eu provoco e direciono.  Se eu tenho um caminho que reconheço, eu sei o que pode acontecer, a mudança de estado já é esperada, de algum modo. Eu direcionei para que aquilo acontecesse e posso determinar um fim.  Assim, os olhos ficam irritados e as lágrimas são estimuladas a surgir, vir à tona.                                                                                                                                                                                                                                                    

                          Andréa cabeça ok 1                                                                                                                                                                                                        

Gestos do cotidiano (2009)

A relação da posição de cócoras e os costumes indígenas tem ficado mais evidente na investigação da pesquisa Casa. Para mim, há uma ligação forte com o comportamento habitual dos índios. Herdamos sua maneira tão peculiar desse estar próximo do chão. Eles simplesmente entregam-se à ação da gravidade, o que facilita a movimentação do corpo nos afazeres diários. 

Percebi melhor isso quando assisti ao vídeo-documentário As mulheres das cócoras (22 minutos, 2006), produzido pelas pesquisadoras Graziela Rodrigues e Regina P. Müller (Unicamp/SP), sobre o povo indígena Asuriní do Xingu (Pará), tribo em contato com os brancos desde 1971. O cortar da mandioca, o varrer o chão e o esculpir a cerâmica foram as imagens das atividades que mais me chamaram atenção.

O interessante foi que os gestos cotidianos dessas mulheres lembraram meu pai. Senti similaridades no modo como o corpo se organiza no ficar/estar/permanecer de cócoras. Parecia que eu estava vendo ele lá, mas na versão feminina, principalmente, no que diz respeito à habilidade com as mãos e o jeito rústico de executar as atividades.

Para os índios, então, o “agachado” torna-se um estado em que encontram conforto, tranqüilidade e  comodidade no dia-a-dia. O corpo adequa-se de uma maneira tão singular à posição acocorada que o passar do tempo não é sentido de forma linear. É um tempo mais orgânico, diretamente ligado às necessidades básicas e às possíveis urgências de quem vive em grupo.

Conversei com meu pai sobre essa relação entre tempo e posição de cócoras. Ele disse que o estar acocorado facilita seus afazeres e evita também as dores nas costas. Às vezes, ele sente as pernas ficarem pesadas, depois de muito tempo nessa posição. No entanto, basta balançá-las um pouco, explicou ele, que logo voltam ao normal. Quer dizer, melhora a circulação do sangue.

 Esta semana consegui imagens dele limpando peixe no quintal e pintando umas tábuas para colocar na porta da entrada da casa, na posição agachada, é claro.

Pesquisa Casa- Pai

Estranhar entranhar-se II (2009)

Dia 28 de novembro  
                                    Andréa de cócoras cotovelos

O estar de cócoras não é uma posição muito comum que uma pessoa assuma em locais públicos aqui em Fortaleza. Ela é estranha aos olhos do outro. Parece uma afronta à nossa educação. Ficar acocorado é tido como não-civilizado, não muito “bonito” de ver, tido como anti-social para muitas pessoas. Lembrei-me também das pessoas pedintes, aqueles que estão nas ruas, sujos, “feios”. Eles, nós não queremos ver.

Tal posição, porém, tem uma função bem natural para nosso corpo. Facilita a ação de exteriorizar os dejetos, logo, é uma posição do ser humano.  Uma ambigüidade que transita entre o feio e o bonito, como também o exterior e o interior.

Percebi essas relações um tanto ambíguas quando estava numa livraria conhecida aqui na cidade. Fui até a seção de auto-ajuda. Gosto desse tipo de literatura. Cumpre um papel importante na minha vida, pois me dá certo conforto, mesmo sabendo que muita gente ridiculariza livros dessa natureza.

Pois bem, como não vi nenhuma cadeira para sentar, resolvi ficar de cócoras, bem de frente para a estante. Confesso que me senti levemente constrangida, algo como se estivesse sendo mal-educada. Com pouco tempo nesse estado acocorado, (quero dizer, quando meu corpo assumiu tal posição), um vendedor aproximou-se de mim e, segurando um banquinho tipo puff, disse: “Toma isso aqui pra você ficar melhor!”. Eu olhei para ele e aceitei a sugestão, caso contrário, iria parecer indelicadeza.

O contraditório nessa situação é que a posição de cócoras deixa-me confortável e segura, pois nela posso me levantar rapidamente e, ainda,  fico mais próxima do chão. Por que eu não estaria bem? Esta ligação com a terra torna-me “espontânea” em meus gestos, é como se eu reconhecesse o território em que estou me relacionando. Talvez, por isso, a posição de cócoras tenha tanta afinidade com o trabalho dos apoios que realizo já há algum tempo. A longa permanência com as pernas flexionadas e o fortalecimento delas provêm também da prática constante das articulações em contato com o solo.

Os chineses ficam acocorados como uma ação habitual. Jogam cartas, leem ou simplesmente descansam nesta posição. É algo civilizado para eles, como mostra o texto “a arte de estar de cócoras”.Para os nossos olhos ocidentais, no entanto, não é bem assim, como li numa matéria jornalística sobre as Olimpíadas de Pequim.  

E me questiono de novo: o que podemos aprender com essa posição ordinária?